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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Para copiar da Alemanha: medidas simples (e quase sem custo) que podem transformar o transporte coletivo em cidades brasileiras

Em Erfurt: bondes encontram espaço mesmo em ruas estreitas e históricas

Vivo há quase seis anos na Alemanha e por aqui nunca tive carro (nem carteira de motorista) e vivo feliz e satisfeita em relação ao transporte. Estive no Brasil na semana passada a trabalho (especificamente em Blumenau, SC) e, nesses dias, usei o transporte público em algumas ocasiões. Assim, me dou a o direito não de comparar, mas de observar alguns pontos simples que poderiam fazer o transporte de Blumenau (e de outras cidades do Brasil) muito melhor. Não estou falando de investimentos faraônicos: só de um pouco de organização.
  • As paradas de ônibus deveriam ter um nome, simples assim. Dessa forma, os transportes deveriam ser mapeados como o metrô (as cidades alemãs fazem isso e uso o mapa de Brauwnschweig – cidade onde morreu o Dr. Blumenau, fundador da cidade, para ilustrar). Só assim, não teria ficado fazendo um monte de perguntas para saber que ônibus passa onde e como vou de A a B.
Eficaz: sistema de ônibus pode ser mapeado como o metrô

  • Os nomes das paradas permite que sejam incluídas em um mapa digital e, com isso, quem não sabe o nome da parada de ônibus poderia simplesmente colocar o endereço de partida e o de chegada em um site e receber a rota de ônibus que deve seguir para chegar lá. Esse exemplo da imagem é do site de transportes de Berlin. Simulei a pesquisa a partir de dois endereços: do Parlamento Alemão (Platz der Republik 1) até a Universidade Técnica de Berlin (Straße des 17. Juni 135). O site verificou qual a parada de transportes públicos mais perto das minhas opções e indicou o caminho (incluindo mapas do trajeto a ser percorrido a pé desde a minha localização até o local onde desejo ir). Em tempos de Google maps não é nada do outro mundo.
Planejador: site ajuda a definir as rotas e fornece até mapas
  • As paradas de ônibus deveriam ter informações básicas: que linhas passam por elas, o mapa do transporte, uma tabela com o horário que o ônibus deve passar em cada uma delas. O quadro mostra uma linha de Bremen: nela consta o horário em que o Bonde 8 (mas é a mesma coisa para os ônibus), vai passar pela parada que se chama Duckwitzstr., de segunda a sexta, no sábado e nos domingos e feriados. Em baixo, está a descrição da linha. A parte anterior mostra de onde o trem veio. Em vermelho, a parada onde se esta. Depois as paradas seguintes, com a previsão de quantos minutos se vai levar para chegar até elas e, claro, em que direção o veículo está seguindo: assim ninguém pega o trem ou ônibus para o lado errado. 
Em Bremen: quadro informativo com horários e trajeto

  • A medida acima acabaria com a sensação de que todos os ônibus estão participando de um rali. Fiquei assustada com a velocidade excessiva em lugares sabidamente perigosos, como a curva do Cemitério no Progresso, por exemplo. Definir o horário previsto para cada ponto de ônibus evita que o motorista meta o pé na tábua para chegar antes. Claro que atrasos acontecem, mas a correria é muito mais perigosa. Assim, caso não tivesse que parar em um ponto, o motorista teria que controlar a velocidade para não passar adiantado no seguinte. Pode parecer chato no começo, mas isso assegura que ninguém vai chegar na hora marcada e ver a placa traseira do ônibus saindo do ponto. No fim das contas, confere mais confiabilidade ao sistema. Eu só posso crer que em Blumenau não seja assim porque quem cuida do transporte não conhece essas alternativas: não existe outra justificativa.
  • As estações de pré-embarque do Centro da cidade (modelo que tenta imitar o transporte de Curitiba – que já foi bom no século passado!) são a coisa mais ridícula do universo. Parecem gaiolas com pássaros selvagens recém capturados, onde todos ficam se debatendo. Quem sai do ônibus tem que empurrar para o lado quem esta engaiolado na espera de entrar no veículo. É patético. A coisa toda seria muito mais simples – e barata – se o sistema de leitura dos cartões de pagamento de passagem - que já contém um chip – fizessem também a leitura de uma marca temporizada. Ou seja: a pessoa passa na catraca e aquela passagem continua valendo por 90 minutos (ou 120, ou quantos a prefeitura julgar adequado), sempre na mesma direção (centro-bairros ou bairro-centro, por exemplo). Para os turistas (os raros que usam transporte coletivo!), poderiam ser vendidos cartões temporários nos postos de informação turística ou nos terminais. Em Florianópolis já funciona assim: ou seja, o exemplo está na porta.
  • Alguns corredores de ônibus já funcionam na cidade e acho que devem ser ampliados. Quem não viaja no conforto do ar condicionado do seu carro deve ter o direito de fazer o caminho mais rapidamente. Isso poderia atrair novos usuários: se o ônibus chega antes, por que ir de carro?
  • Estacionamentos próximos aos terminais com desconto para quem usa o transporte coletivo. Assim, é possível ir de carro até um terminal, estacionar e seguir o resto da viagem em direção as áreas mais centrais de ônibus. O mesmo vale para bicicletas: um local coberto e seguro onde possam ser deixadas. Funciona que é uma beleza aqui na Alemanha. Eu mesma fazia isso: deixava a bicicleta trancadinha no ponto e, quando voltava a noite depois do trabalho, não precisava caminhar sozinha por ruas não muito iluminadas (embora por aqui isso não represente um risco...).

É claro que as melhorias nos ônibus devem ir além. Modelos mais baixos e que se reclinem para facilitar o embarque de pessoas idosas seriam absolutamente convenientes. Não entendo porque os ônibus brasileiros tem uma altura de monster car. Com modelos mais baixos, as rampas para acesso a cadeirantes não precisam ser mecanismos hidráulicos complexos. Só uma rampa que pode ser aberta manualmente (uma prancha de madeira) e colocada até a parada resolve. Por aqui é assim: alguns ônibus mais modernos têm rampas automáticas, acionadas com um botão pelo motorista. Mas todos os outros tem essas rampas simples, que tornam o transporte acessível a todos.

Nem vou entrar no mérito do ar-condicionado. É absurdo que essa não seja uma exigência para todos os novos veículos incluídos na frota a partir da década de 1920. Bancos mais confortáveis não seriam má ideia, mas como prioridade, pregaria uma medida nos espaços públicos. Já passou da hora da proibição de fumar nos terminais, exceto em pequenas áreas específicas, marcadas no chão e com lixeiras para as infinitas bitucas que fazem o mundo mais feio. Porque mesmo em espaços abertos, os não-fumantes devem ser protegidos. E ninguém merece aqueles que dão uma última tragada já com o pé na porta e depois despejam a fumaça imunda já dentro do transporte.


Em uma visão mais utópica eu sempre me pego pensando na rua XV de Novembro de Blumenau – e tantas outras ruas de comércio importantes do Brasil - como um calçadão, talvez com o espaço compartilhado por bondes elétricos. Mas sei que isso está longe ainda. O que o brasileiro precisa entender é que vale a pena pensar no país como os países desenvolvidos pensam e que a cultura do carro é arcaica e burra. E pra fechar, que os comerciantes saibam que o que eles pensam hoje – que os clientes não irão mais as suas lojas se não puderem parar com o carro na porta – é a mais pura mentira: os holandeses que o digam. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Diferenças culturais: O mito do cachorro-quente alemão

Na Alemanha: salsicha sempre, mas cachorro-quente não é tão popular

Há uma empresa de Blumenau chamada Hemmer – que por sinal faz produtos que eu adoro! – vende uma lata que diz no rótulo: Cachorro-quente Alemão. Trata-se de um molho de chucrute e tomate com salsichas, servido em abundância na Oktoberfest brasileira e não só nela. No Vale do Itajaí, onde a colonização alemã dos idos 1850 deixou marcas até hoje, cachorro-quente é assim. E na falta de chucrute, é feito com repolho mesmo, quase sempre servido com pão francês. Mas como eu nasci por lá, até minhas primeiras aventuras mundo a fora, eu tinha a plena certeza de que cachorro-quente era com repolho.

Na lata: a empresa chama de alemão, mas não é

Com o passar do tempo, conheci o buffet de cachorro-quente, modinha na época da universidade, depois a versão com tomate e cebola crua de Florianópolis, cachorro-quente prensado do Rio Grande do Sul, com purê de batata em São Paulo e por ai vai.  Mas foi quando cheguei na Alemanha que veio a surpresa maior: cachorro-quente alemão é, na verdade, absolutamente blumenauense.

Por aqui se come muito pão com salsicha, especialmente Bratwurst. Trata-se de um pão minúsculo com uma salsicha enorme: o pão serve basicamente como um suporte para a salsicha. Come-se com mostarda amarela e é isso. Até existem versões com a salsicha Wiener, que teoricamente é a mesma usada no Brasil, mas com uma diferença gritante de sabor e qualidade. A versão alemã é mais “crocante”, por assim dizer.

Outra versão popular na Alemanha é a receita do cachorro-quente dinamarquês, vendido na rede sueca Ikea. E viva o mix cultural! O pão é adocicado (o tal do pão de cachorro-quente igual ao do Brasil), servido com uma salsicha Wiener. Em um buffet – isso varia conforme o país – está disponível pepino fatiado em rodelas em uma conserva de vinagre adocicada e cebola frita, quase a “batata palha” daqui... É só montar com catchup, maionese e mostarda amarela e ser um perito em equilibrismo para comer sem deixar tudo cair.

Na Áustria há um Hot Dog bem peculiar. Uma máquina com um cilindro metálico fura o pão em sentido longitudinal e no buraco vai a salsicha. Não é a coisa mais simples de explicar em um blog familiar como esse, mas é bom. A salsicha é tipo Knacker – e não Wiener, como se podia esperar em Viena! Oh ironia! –, mas com queijo. Logo, uma Käsewurst. Vale colocar mostarda e maionese pra completar.  

Austríaco: a salsicha vai no buraco feito no pão

Mas antes que o Sul do Brasil comece a dizer que é mais alemão do que a própria Alemanha, sou obrigada a acabar com a festa. Não foi só em Blumenau que comi cachorro-quente com chucrute nesta vida. Achei a iguaria na cidade norte-americana de Buffalo, estado de Nova Iorque. É mole? A única diferença da versão blumenauense é que o chucrute vem sem o molho de tomate. Não faço a menor ideia de como os americanos acabaram se apaixonando por essa mistura tão diferente, mas está lá em qualquer barraquinha de rua.
Versão EUA: sem molho de tomate, mas com muito chucrute

E pra quem ficou curioso com essa receita tão peculiar, é simples. Basta refogar o chucrute (ou na falta dele, repolho cortado em tiras bem finas) até que fique bem cozido. Vale adicionar cebola e alho, mas eu prefiro sem. Então, coloque molho de tomate de caixinha, um pouco de pimenta preta, acerte o sal e cozinhe a salsicha no caldo. Rapidinho e caprichado. Apesar de parecer, não é uma receita alemã, mas não deixa de ser uma delícia!

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Dicas de convivência: franqueza alemã pode parecer grosseria, mas torna a vida mais fácil

Falso pudor: no Brasil, perguntar o salário desqualifica o candidato ao emprego

Já ouvi muita gente dizendo que alemão é mal humorado, grosso e carrancudo. Pode até ser algumas vezes, mas no geral, o que acontece é um choque cultural e a franqueza acaba sendo interpretada como rispidez. Vou simplificar a história. Escrevo esse post do Brasil, onde estou a trabalho, e confesso que já estava um tanto desacostumada a “malemolência” daqui e por isso o estranhamento começou cedo: já no café da manhã, lendo o jornal fresquinho.

Passei os olhos pelas páginas de classificados de emprego e veio o primeiro choque – fruto de muitos anos longe do Brasil: nenhum dos anúncios dizia de quanto era o salário. Isso me lembrou da hipocrisia local: é um pecado sem tamanho estar mais interessado no salário do que no trabalho a ser feito! Como assim? Eu gosto da minha profissão – amo ser jornalista, na verdade! – mas não teria o menor pudor em passar meus dias organizando e programando minha próxima viagem a um destino paradisíaco se dinheiro desse em árvore.

Eu trabalho pura e simplesmente porque preciso de dinheiro pra viver e mesmo assim, no Brasil, parece um crime querer saber a perspectiva salarial antes de decidir se me candidato ou não para uma vaga. Na Alemanha, se o salário – em valor anual bruto – não estiver especificado, virá um código de referência (especialmente em cargos do serviço público), dizendo quanto se vai ganhar: 70% do valor de referência XYWSX ou salário referência JKDCFKL. A renda líquida vai depender se a pessoa é solteira ou casada (quem casa paga menos!), em que categoria de imposto está incluída, quanto decidiu contribuir para a previdência, o tipo de plano de saúde (caro e obrigatório!) e por ai vai. Para não ser surpreendido, o ideal é calcular em média entre 30%  e 40% de desconto sobre o valor bruto.

Há ainda empresas que oferecem vagas em uma categoria salarial chamada 400 Euros Basis, em que quase não há descontos e o que varia é o valor da hora. Assim, a pessoa sabe o quanto vai ganhar e negocia o valor que receberá por hora: ou seja, o quanto ela vai trabalhar para ganhar os 400 euros por mês. Como esse tipo de emprego costuma ser bem maleável – pode-se fazer algumas horas na segunda de manhã, outras três na terça à tarde, folga na quarta e trabalha depois mais duas na quinta, por exemplo – é uma opção bem comum entre os estudantes, já que pode ser adequada ao calendário de aulas. Tudo com muita clareza.

A impossível arte de dizer não

Dizer não é outro tabu no Brasil. Tanto que muitas vezes deixo de perguntar o que quero só pra não constranger meu interlocutor. Um diálogo absolutamente normal na Alemanha: “Podes me dar uma carona? – Não, tenho um outro compromisso hoje”. Tudo normal, direto, sem culpas ou rodeios. No Brasil, eu jamais pediria: a pessoa vai ficar sem graça de dizer que não, talvez desvie o caminho para me dar a tal da carona e depois comente em casa o quão folgada fui em fazer o pedido.

A questão da negativa também vale para qualquer convite. Vim fazer uma série de reportagens no Brasil, todas previamente definidas e marcadas, com uma agenda apertada. As pessoas me ligaram oferecendo outras histórias – muitas vezes igualmente interessantes, mas fora do meu escopo e agenda. Agradeci e disse que não poderia: que ofensa! Brasileiros preferem ouvir que vou tentar ver se encaixo o compromisso na agenda, mesmo sabendo que isso não vai acontecer. O não ofende.

No entanto, o que me ofende muito mais é o inverso de dizer não. Já convidei amigos para um café, que me responderam sorridentes que sim, mas que não apareceram. Na Alemanha, a ofensa de “dar o cano” é incalculável, já a negativa é honesta, prática, evita falsas expectativas e facilita a vida de todo mundo.

Mas afinal de contas, tenho uma “grosseria” preferida. Para dizer não no Brasil, é preciso ter um arsenal de desculpas: todas tão mirabolantes que no fim sempre penso em escrever um livro sobre a aventura da pessoa. E entre os “sisudos”, é tão mais simples: obrigada, mas já tenho um outro compromisso nesse dia. E mesmo na hora de ir: Tchau, tenho um compromisso agora. Assim, sem qualquer adendo, sem qualquer informação adicional.

Creio que a franqueza gera confiança e a certeza de que um não é tão honesto quanto um sim. Por isso, quando conhecer um alemão, nunca se despeça dizendo: “A gente se vê! Eu te ligo! Vamos marcar um churrasquinho uma hora dessas”. Ele certamente vai pegar a agenda para anotar seu telefone, avisar quando vai ligar e verificar se estará livre para essa noite de carnes e cervejas. E pode ter certeza: mesmo que ela seja daqui a um mês, a pessoa vai estar lá e vai chegar na hora certa. Isso se chama respeito e não grosseria.
de volta à nave mãe - desde 2008 © Ivana Ebel